Um amigo que não vejo há alguns anos postou a seguinte mensagem no Facebook:
Como é bom conviver com crianças. A gente acaba rindo de piadas tão bobas... as mesmas que ríamos quando éramos. Enfim. Como a pergunta: O que acontece se o elefante senta na pata?
Obviamente que fiquei pensando nas inúmeras perguntas que fazia quando era criança, nas piadinhas, nos “O que é? O que é?”, nas brincadeiras... a vida era tão mais simples.
Brincava de carrinho, de fazer castelos de areia, construía coisas com pedaços de madeira. Brinquei de esconde-esconde, pega-pega, pular corda, batata quente, amarelinha.
A coisa mais legal que eu fazia era subir no telhado, escondido da minha mãe é claro. De lá podia ver a vizinhança, olhar as coisas de cima, me sentia um herói. Às vezes me deitava no quintal de casa e ficava olhando o céu, horas a fio e viajava, ia pra longe, sonhava.
Hoje mal olho o céu, e quando tenho a oportunidade, acabo colocando uns óculos escuros. A correria do dia-a-dia acaba fazendo com que eu não perceba e nem dê o devido valor as cores do dia amanhecendo.
Eu adorava filhotes, comer amoras na árvore, gostava daquelas bem pretas. Assistia televisão, sim, cresci vendo Caverna do Dragão, Pica-Pau, Popeye, Scooby-Doo e os Smurf’s. Ficava ansioso pra que chegasse o domingo pra ver Os Trapalhões. Li muito gibi da Turma da Mônica, e o primeiro livro que eu ganhei foi Reinações de Narizinho, tava usado, sem capa, mas era meu.
Desde pequeno fui pra escola, um lugar que sempre foi mágico. Mexer com tinta, lápis de cor, fazer brinquedos com sucata. Entrei no Jardim aos três ou quatro anos, tenho amigos daquela época até hoje.
Lembro de uma vez que cai de uma árvore de nariz no chão, sangrou muito, foi um susto enorme, e no dia seguinte estava eu lá, empoleirado nas árvores da escola de novo.
Foi uma época muito boa, ter inocência é tão bom, você encara as dificuldades de outra maneira, se é que as percebe. O mundo é um desafio, sem limites e pronto para ser descoberto e conquistado!
Ser criança é uma coisa fantástica, poder explorar o mundo, sonhar em ser pirata, astronauta, brigar por causa de uma bola, ter medo do escuro, chorar por causa da vacina, ter como maior desejo um chocolate, é algo que levamos para a vida inteira.
É por essas e outras que eu penso que crianças, ao seu modo, são sagradas. São a garantia de que o mundo vai continuar, são elas que nos mostram todos os dias como imaginar, sonhar, brincar e como amar sem interesses é bom e faz bem. São elas que fazem todos os problemas sumirem quando nos dão um simples abraço.
E tudo isso foi roubado do pequeno Nicolas. Do alto dos seus sete anos, quase nada na idade, Nicolas teve sua vida encurtada.
Se bobear estava aprendendo a ler, talvez até quisesse virar ídolo do futebol como o Neymar ou o Ronaldo. Talvez desejasse ganhar um vídeo-game, ou um pião, sei lá, quem entende as crianças.
Pode ser que ele ainda acreditasse em Papai Noel e em Coelho da Páscoa, todo mundo acreditou um dia, ou talvez gostasse de algum funk. Consigo imaginá-lo, garotinho que era, cantarolando quando caminhava para a escola de mãos dadas com a mãe.
Talvez tivesse medo de assombração (eu tenho até hoje), andasse descalço pela rua, ou falasse “pio” bem baixinho quando alguém lhe desse bronca e dissesse que não queria ouvir mais nem um pio!
Imagino que ele tenha riscado as paredes quando descobriu alguma caneta dando sopa pela casa. Será que ele corria atrás de pipas? Talvez.
Batia bola na rua e marcava as traves com os chinelos, falava uns palavrões quando seu time perdia, coisa de moleque. Ou irritasse os pais, tios e amigos com aquelas piadinhas sobre o que é um pontinho azul voando, e tantos outros pontinhos.
Pode ser que esse garotinho detestasse acordar cedo para ir pra escola, enrolava para levantar e tomar banho, mas madrugasse nos finais de semana. Talvez, Nicolas só comesse o miolo do pão e detestasse jiló e quiabo, nunca saberemos, ele não está mais aqui.
O garoto Nicolas desapareceu no início deste mês, ontem encontraram seu corpo, em um matagal. Não sei qual palavra escrever para definir o tamanho da revolta que estou sentindo. Não conheci o garoto, fui mobilizado por uma mensagem de uma amiga de longa data, da época da escola, mãe de um rapazinho da mesma idade, amiguinho do Nicolas.
Fico aterrorizado em saber que ninguém pode estar lá para socorrê-lo, enxugar suas lágrimas, atender seus apelos. Nicolas passou por toda essa brutalidade sozinho.
E fico mais revoltado em saber que existem pessoas que saem de suas casas com intenção de fazer mal a outras, é algo que foge a minha compreensão. Pensar que pessoas assim se aproximam dos meus familiares, dos meus amigos, e das crianças que eu amo, me dá medo.
Neste momento penso nas pessoas que o amavam, que cuidaram dele durante sua vida, que o procuraram todos essas dias, que passaram noites insones e viram suas esperanças se esvaírem com a confirmação de seu falecimento. A elas, minha solidariedade, não é muita coisa, e pra falar a verdade ajuda bem pouco.
O jeito é chorar, chorar porque existe maldade no mundo, chorar porque uma jovem vida se foi. E seguir com a vida carregando a dor, carregando essa sensação de impotência, lutando para que se faça justiça a memória de Nicolas, e para que tal barbaridade não aconteça com outras crianças. E lutando para que elas possam viver em um mundo onde possam continuar nos lembrando o que acontece quando o elefante senta na pata.
Nicolas, descanse em paz!
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