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sexta-feira, 10 de junho de 2011

Fabiana Moraes e o nosso sonho de sermos aceitos


A história começou da seguinte maneira: A jornalista Fabiana Moraes realizou uma entrevista com a Luiza Marilac e escreveu uma matéria sobre ela (Aqui), Luiza não gostou e postou um vídeo no YouTube (Aqui) ofendendo a jornalista, acusando-a de homofobia e outras coisas mais. Nos comentários do vídeo, incontáveis posts de apoio à Luiza, e mais ofensas à jornalista. Quantos realmente sabiam o que estavam apoiando? Bem poucos, acredito eu.

Como me ensinou muito bem uma professora, fui mais a fundo na questão, fui aos originais, e me surpreendi com o que vi e com o que li. A matéria da "homofóbica" é, sem dúvida nenhuma, muito positiva e nada homofóbica, humanizou a Luiza Marilac, falou de desejos, sonhos, de como é sua vida, foi além dos já tradicionais "bons drink". Fabiana foi de uma sensibilidade e delicadeza que poucas vezes vi quando o assunto são as LGBT, e em especial as travestis, e que a maioria dos jornalistas perdeu.

Quis ir além, fui saber um pouco mais da profissional que assinava a matéria e encontrei uma série de matérias produzidas por ela que são imperdíveis, como a História de Joicy (que eu já tinha lido e não sabia que era dela) e me impressionei com o fato dos textos serem publicados no maior jornal do Pernambuco.

Poderia parar por aqui, e este texto ser mais uma defesa e manifestação de apoio à Fabiana Moraes, mas algumas coisas ainda me chamam a atenção.

A primeira é tentar entender o que Luiza leu, e como ela entendeu. Vou ficar com a idéia de que ela interpretou mal o texto, e que não tiveram a decência de explicar a ela o que realmente estava escrito ali.

A segunda, como me disse a Maria Frô  pelo twitter, foi o espírito de boiada das pessoas que comentaram o vídeo no YouTube, que sem nem saber do que se tratava, e de quem se tratava, se prontificaram a ofender mais ainda a jornalista, e em nenhum momento tentaram dialogar com a Luiza para saber como ela tinha chegado a conclusão de que o texto era depreciativo. Me pergunto se essas pessoas tem dificuldades de interpretação de texto ou se agem na mais pura má-fé mesmo.

E por fim, e é a questão que eu acredito que caiba uma reflexão maior e foco deste texto, é a maneira como os meios de comunicação tratam as questões LGBT's. Grande parte da mídia brasileira sempre nos tratou de maneira negativa, preconceituosa, caricata. Ora são personagens esteretipados e vazios,  ora são comentários, textos e reportagens preconceituosos nos jornais e TV, e por aí vai a infinidade de ataques que nós, LGBT's, recebemos diariamente.

Quer ver?

Vamos lá: Como é feita a cobertura da maior Parada LGBT do mundo? Um evento que leva milhões de pessoas às ruas em favor da diversidade e do combate ao preconceito vai parar nas páginas policiais, sempre! Quase nunca há registro do que foi dito, de quais são as lutas, as bandeiras do movimento LGBT. Quando há, há sempre uma tendência a distorcer os objetivos do evento. E sempre tem um que diz que nós não sabemos nos comportar civilizadamente e queremos mais direitos.

Mais uma: Qual foi o papel da grande mídia na discussão do Kit de Combate á Homofobia do Ministério da Educação e no seu cancelamento? Primeiro, assimilaram o nome pejorativo dado pelo Deputado Jair Bolsonaro, "Kit Gay", levantaram uma discussão moralista sobre a temática da sexualidade, trataram a diversidade sexual como algo abominável, imoral e sujo. Contribuíram para confundir a opinião pública, deram espaço a fundamentalistas religiosos, assumiram um discurso retrógrado e medieval. Esqueceram-se rapidamente que o Brasil é um Estado Laico, e utilizaram o material que certamente seria um grande passo no combate ao preconceito como moeda de troca, negociou-se Direitos Humanos, ao final o governo cedeu à chantagem da bancada fundamentalista no Congresso.

Outra: Qual tem sido a intervenção da grande mídia nas discussões do PLC122/06 que criminaliza a homofobia (e a heterofobia, se é que isso realmente existe, logo o projeto é constitucional e não cria mais direitos para ninguém)? Mais fundamentalismo, mais distorção, mais Malafaia, mais Bolsonaro, mais violação de direitos humanos. A Folha de São Paulo chega a publicar um editorial em que afirma que a criminalização da homofobia viola a liberdade de expressão. Liberdade de quem? A minha que não é.

Além disso, o espaço dado na mídia é desproporcional. Malafaias, Bolsonaros, e outros disseminadores de ódio são entrevistados diariamente, além dos programas que possuem, têm espaço e sustentação dos meios de comunicação. Não há igualdade nesses espaços, poucas lideranças do movimento LGBT são consultadas, poucos são entrevistados e quando o são, acabam por serem ridicularizados (como acontece no SuperPop), ou seja, a questão da sexualidade e da homossexualidade não é tratada com seriedade na mídia.

Acredito que isso foi um dos determinantes na reação explosiva de Luiza Marilac e dos que a apoiaram nos comentários do YouTube. Como não falei com ela, isso fica na suposição. Mas ser maltratado diariamente, ser vítima de preconceito, ser olhado como se fosse anormal ou de segunda classe nos deixa inseguros e nos coloca na defensiva.

Não ter espaço nos meios de comunicação, não ser levado a sério, não se reconhecer naquilo que dizem que somos, faz com que desconfiemos da grande mídia, nos leva a entrar no jogo sujo e a cair no debate truncado e tendencioso das redações de jornal e estúdios de TV.

Penso que ao discutirmos hoje direitos dos LGBT temos que também discutir quais os rumos que o Brasil vai seguir e que tipo de nação queremos construir, passa por ampliar nossa atuação junto aos movimentos sociais, passa por discutirmos e construirmos políticas públicas que combatam todo e qualquer tipo de discriminação, seja ela contra LGBT's, contra mulheres, contra negros e deficientes.

Passa por discutir um novo marco regulatório da mídia, por garantir políticas que incluam mais e mais brasileiros. Passa também por reafirmar o caráter laico e democrático do nosso Estado, garantir nossas liberdades constitucionais entre milhares de outras coisas. Nossa luta é bem maior do que conseguimos visualizar, e eu sei que a tarefa é grande.

Para lutar por um país melhor e livre de preconceitos, precisamos nos livrar dos nossos. Precisamos reconhecer alguns aliados, perceber que opinião diferente não é opinião contrária, trabalhar para ganhar mais e mais pessoas para as nossas causas, e confiar em algumas delas.

E em Fabiana Moraes com certeza podemos confiar!

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A imagem veio daqui ó: http://migre.me/51QXt


Um comentário:

  1. Flávio, infelizmente o incrível fenômeno "maria vai com as outras" é muito grande e agora pode ser visto claramente nas redes sociais. As pessoas sentem-se na obrigação ,ou na falta de ocupação, de curtir,gostar,comentar,compartilhar,twittar, ou qualquer coisa assim ,algo que está bombando no momento!Na maioria das vezes,senão em todas, sequer sabem o que estão apoiando,e isto é lamentável...

    Existem inúmeras pessoas que realmente não conseguem compreender um texto e mais um montão agindo de ma fé...por isso não custa nada ver, ouvir e analisar...Sempre!

    Luana Peres

    ResponderExcluir

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