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segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Brasil, território livre da homofobia?

Selo da campanha Brasil Território Livre da Homofobia, da SEDH, 2011

Uma vez li uma crônica do Veríssimo em que ele contava de uma mãe dizia à sua filha que num casamento tudo podia ser salvo, a menos que voassem coisas, ou seja, se o respeito acabasse de tal forma que um dos parceiros se desse o direito de atirar objetos no outro.
Veríssimo, à sua maneira, falava de um respeito maior do que aqueles que dispensamos aqueles de quem gostamos e convivemos, falava de um respeito pela vida e pela integridade de qualquer pessoa, de zelo pelo meu semelhante, respeito este que quando se vai, torna impossível a convivência.
Galdino de Jesus, queimado em 1997
E tem voado muita coisa por aí!
Pessoas hoje em dia, em nome de sabe-se lá do que, saem às ruas para agredir, para matar como se fosse a coisa mais natural do mundo. Alguns dizem que não tinham a intenção de matar, só queriam se divertir, dar um susto, ou revidaram só uma provocação.
E a cada dia as agressões aumentam, a brutalidade e a crueldade dos ataques ficam maiores e as formas de tortura mais sofisticadas.
Lembro com horror do assassinato do indígena Galdino de Jesus, da etnia pataxó, e que foi covardemente queimado por cinco jovens de classe média em Brasília no ano de 1997.
Sirley Dias, agredida em 2007
Outra situação que me recordo é a ocorrência envolvendo a doméstica Sirley Dias de Carvalho Pinto, que foi espancada em um ponto de ônibus por ter sido confundida com uma prostituta.
Em se tratando de homofobia, presenciamos hoje uma escalada de agressões sem precedentes na história. Usando o bordão do ex-presidente Lula: Nunca antes neste país se agrediu tanto os homossexuais!
Pode-se afirmar que os números deste ano já superam os do ano de 2010 inteiro.
Desde novembro do ano passado quando alguns jovens foram gratuitamente agredidos com lâmpadas na Paulista, todos os dias temos informações de novas agressões.
Recentemente pai e filho foram agredidos por que foram  confundidos com um casal gay. Resultado: filho espancado e pai com parte da orelha decepada. Há pouco mais de um mês também, Gordo Max, heterossexual, foi assassinado quando impedia que homossexuais fossem agredidos. Semana passada um homossexual foi brutalmente assassinado e teve suas vísceras espalhadas pelo terreno onde sua vida teve fim!
Os ataques, cada dia mais estúpidos, deixam claro que o objetivo da agressão é acabar com qualquer traço de dignidade que a pessoa pode ter. Subjugá-la ao máximo, provar ao agredido a sua inferioridade.
E diariamente mais pessoas são agredidas por serem homossexuais, por serem confundidas com homossexuais, por estarem acompanhadas de homossexuais, por defenderem o direito dos homossexuais de exercerem plenamente sua cidadania, ou simplesmente por não tolerarem nenhum tipo de preconceito.
Ou seja, a homofobia se “democratizou” e hoje pode vitimizar qualquer pessoa, basta que ela esteja no caminho daquele que se dá o direito de agredir o que é diferente. Os homofóbicos de hoje não fazem mais distinção de classe, etnia, gênero, raça, idade, credo, origem geográfica, orientação sexual, não existem mais critérios.
A cada notícia que leio me fica a sensação de que não existe mais lugar seguro, e eu odeio essa impressão, me faz mal.
E me indigna ver gente, como o Deputado João Campos (PSDB), dizendo que a homofobia não existe, que isso é coisa da cabeça dos “gayzistas”, e que os números de assassinatos homofóbicos são irrelevantes quando comparados ao número de heterossexuais que  morrem de maneira violenta no Brasil.
O que essas pessoas fingem ignorar é que ninguém neste país corre risco de morrer por ser heterossexual, que estar na companhia de um heterossexual ou de alguém que se encaixe no padrão heteronormativo não constitui ameaça a integridade de ninguém.
E me revolta e perceber que as existem pessoas que tornam mortes violentas em números, estatísticas, simples algarismos. Se mobilizam contra políticas públicas que poderiam garantir vidas, se escondem atrás de uma falsa liberdade de expressão, se utilizam de direitos fundamentais como o direito à liberdade religiosa, para apregoar o ódio, para excluir, para oprimir mais e mais.
Me revolta mais ainda, perceber que, 10 meses depois de ter comemorado a posse da primeira mulher na presidência do meu país,  estamos retrocedendo, que não há ações efetivas e nem investimentos no combate ao preconceito e a discriminação, que direitos humanos são negociáveis, e que a onda conservadora desencadeada nas eleições gerais de 2010 ainda paira sobre a república, ameaçando os direitos já conquistados e o caráter laico do Estado.
Mesmo com tudo isso, tenho a esperança de que esse país pode melhorar, que existe a possibilidade sim de sermos um território livre da homofobia, mas que isso vai exigir participação política do movimento LGBT, participação junto aos movimentos sociais, disputa pelos rumos do país e pressão permanente no governo que ajudei a eleger!
Tarefa difícil, mas nem de longe impossível!


3 comentários:

  1. Parabéns pelo Blog, temos que levantar a voz e mostrar que cada um de nós tem que ter seus direitos garantidos e preservados.

    ResponderExcluir
  2. Ótimo texto, sou ativista gay, eu poderia publicá-lo no meu blog? É esse:

    http://arcoirisrevolucionario.blogspot.com/

    Desde já, obrigado!

    ResponderExcluir
  3. Horácio e Luan,

    Agradeço os comentários, muito obrigado!

    Luan, sinta-se a vontade para republicar o conteúdo do blog.

    Abraço,

    Flávio

    ResponderExcluir

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